Tem ganhado relevância, especialmente nas áreas do pensamento que cuidam da crítica cultural, uma espécie de problematização do nosso tempo que denuncia a incapacidade de pensar futuros outros (ou, em sentido semelhante, denunciar que mesmo futuros outros são imaginados sempre dentro das mesmas coordenadas); o exemplo mais notável é, certamente, o trabalho de Mark Fisher. Porém, durante a década de 1980, um grupo de pesquisadores e intelectuais já sondava terrenos semelhantes, em um campo de estudos que, infelizmente, teve vida breve*: Nuclear Criticism. Em 1983, um colóquio com esse tema é organizado pelos editores da revista Diacritics e, em 1984, é publicado no volume seguinte da revista as palestras e os textos daquele evento. Jacques Derrida era um dos principais artífices do encontro, elaborando o texto que seria uma espécie de “manifesto de fundação” da Nuclear Criticism: No Apocalypse, Not Now (Seven Missiles, Seven Missives, Full Speed Ahead). Período histórico povoado por representações culturais catastrofistas, nem um pouco amenizado pela retórica belicosa da administração Ronald Reagan, Derrida reconhece, porém, que a escatologia nada tem de nova. O que experimentamos como novidade, nesse sentido, é que, na era das bombas atômicas, pesa sobre a humanidade a perspectiva realista de catástrofe global, de extinção em massa, enfim, do fim do mundo como o conhecemos. Além disso, esse espectro — esse “referencial absoluto” — é, ele mesmo, responsável por coordenar e influenciar culturalmente a forma como imaginamos nosso futuro — ou, mais precisamente, nosso fim. A Nuclear Criticism seria como uma arma — um míssil-missiva — que realizaria uma espécie de engenharia reversa dos nossos textos, nossa literatura e nossa cultura: afinal, a guerra nuclear, como Derrida observa, é eminentemente (uma guerra) textual. Porém, na ocasião do seu acontecimento — lembremos que a administração Reagan não descartava uma espécie de ataque nuclear preemptivo contra a União Soviética —, Derrida especula que, além de um evento de extinção em massa, “testemunharíamos” (aqui entre aspas, pois esse acontecimento seria impossível de testemunhar) o fim daquilo que chamou de arquivo, entendido como o conjunto da nossa tradição escrita. O fim do mundo — o fim de vários mundos — está em direta relação com o fim da memória, o fim do lembrar, o fim do luto.
*O motivo dessa brevidade reside muito provavelmente no colapso da União Soviética, que fez arrefecer temores de guerras nucleares e o interesse nas questões atômicas na cultura.