1. A destinação final do lixo de usinas nucleares, material ainda perigoso e radioativo, constitui um verdadeiro desafio para as autoridades. O documentário Into Eternity, de Michael Madsen, documenta esse processo no contexto finlandês, evidenciando a solução final concebida pela governo: um depósito subterrâneo permanente. Na verdade, autoridades da área de energia nuclear já concluíram, há décadas, que a melhor solução, a que menos provoca riscos, passa por enterrar o material quilômetros abaixo da superfície. Um dos técnicos envolvidos no projeto de Onkalo, o depósito finlandês, ilustra o raciocínio da seguinte maneira: o mundo da superfície é extremamente instável. Só nos últimos 100 anos tivemos dois conflitos de escala mundial, além de incontáveis catástrofes naturais. Qualquer destinação permanente do lixo atômico que passe por mantê-lo na superfície, material que permanecerá radioativo por cerca de cem mil anos, estará sujeito às incertezas políticas, intempéries climáticas etc. O mundo subterrâneo, ao contrário, é estável; as mudanças lá só ocorrem muito lentamente.
2. É digno de nota, e o documentário sublinha esse aspecto, que o longo tempo de decaimento do material extrapola os parâmetros de nossa cognoscibilidade. Em cem mil anos caberia, várias vezes, toda nossa História, nosso arquivo. O surgimento de nossa espécie deve ter se dado cerca de duzentos mil anos atrás. Um empreendimento que transite nessa escala de tempo é, sem dúvida, nosso maior projeto até então e, provavelmente, nosso maior legado, nossa maior assinatura para os seres humanos e não-humanos que habitarão essa Terra futuramente.
3. Um dos maiores problemas que as autoridades se viram às voltas foi com a questão da comunicabilidade. Como transmitir para as gerações futuras que o que está lá guardado não deve sair da terra? Eis novamente a temporalidade radioativa. A verdade é que nunca dominamos esse tipo de energia, e a dificuldade em comunicar seu perigo equivale às constantes tentativas de tornar essa energia segura. Uma caveira seria suficiente para afastar os humanos do futuro? Quantas vezes utilizamos a caveira como símbolo triunfante de guerra? Essa dificuldade inspirou uma nova área da estudos: a semiótica nuclear. Os burocratas de Onkalo reconhecem, porém, o imediato paralelo com os artefatos sagrados da Antiguidade, especialmente os egípcios, que conferiram alguma ritualidade ao ato de confinar determinados corpos e objetos para a eternidade. É possível que, ao escavar o que restou dos seus artefatos sagrados, tenhamos ignorado diversos avisos. O símbolo criado pela International Atomic Energy Agency contém uma mensagem que, verdade seja dita, nem sequer no nosso tempo somos capazes de compreendê-la:
*Cf.: http://news.cornell.edu/stories/2017/08/how-best-say-keep-out-10000-years-future